16 março 2015

REFLEXÕES IMPORTANTES

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Recebi, em mensagem de uma amiga, um texto antigo (2005) de João Ubaldo Ribeiro, publicado originalmente no Jornal do Meio Ambiente.
http://www.jornaldomeioambiente.com.br/index_noticias.asp?id=8636 

Sua mensagem, apesar de se passarem 10 anos, continua absolutamente atual, e me dá oportunidade de lincar com um trabalho que venho desenvolvendo sobre, entre outras coisas, as questões científico-sociais da constituição de um povo feliz.

Logo abaixo o interessante texto de Ubaldo, e sobre o que foi dito, algumas reflexões que levam à sua ampliação.



"PRECISA-SE DE MATÉRIA PRIMA PARA CONSTRUIR UM PAÍS" - Data: 14/11/2005 
por, João Ubaldo Ribeiro - 

“A crença geral anterior era que Collor não servia, bem como Itamar e Fernando Henrique. Agora dizemos que Lula não serve.  E o que vier depois de Lula também não servirá para nada.

Por isso estou começando a suspeitar que o problema  não está no ladrão corrupto que foi Collor, ou na farsa que é o Lula.  O problema está em nós. Nós como POVO.  Nós como matéria prima de um país. 

Porque pertenço a um país onde a “ESPERTEZA" é a moeda  que sempre é valorizada, tanto ou mais do que o dólar. 
Um país onde ficar rico da noite para o dia é uma virtude mais apreciada do que formar uma família, baseada em valores e respeito aos demais. 

Pertenço a um país onde, lamentavelmente, os jornais jamais poderão ser vendidos como em outros países, isto é, pondo umas caixas nas calçadas onde se paga por um só jornal... E SE TIRA UM SÓ JORNAL, DEIXANDO OS DEMAIS ONDE ESTÃO. 

Pertenço ao país onde as "EMPRESAS PRIVADAS" são papelarias particulares de seus empregados desonestos, que levam para casa, como se fosse correto, folhas de papel, lápis, canetas, clipes e tudo o que possa ser útil para o trabalho dos filhos ...e para eles mesmos. 

Pertenço a um país onde a gente se sente o máximo porque conseguiu "puxar" a tevê a cabo do vizinho, onde a gente frauda a declaração de imposto de renda para não pagar ou pagar menos impostos. 

Pertenço a um país onde a impontualidade é um hábito. 
Onde os diretores das empresas não valorizam o capital humano. 

Onde há pouco interesse pela ecologia, onde as pessoas atiram lixo nas ruas e depois reclamam do governo por não limpar os esgotos. 

Onde pessoas fazem "gatos" para roubar luz e água e nos queixamos de como esses serviços estão caros. 

Onde não existe a cultura pela leitura (exemplo maior nosso atual Presidente, que recentemente falou que é "muito chato ter que ler") e não há consciência nem memória política, histórica nem econômica. 

Onde nossos congressistas trabalham dois dias por semana para aprovar projetos e leis que só servem para afundar ao que não tem, encher o saco ao que tem pouco e beneficiar só a alguns. 

Pertenço a um país onde as carteiras de motorista e os certificados médicos podem ser "comprados", sem fazer nenhum exame. 

Um país onde uma pessoa de idade avançada, ou uma mulher com uma criança nos braços, ou um inválido, fica em pé no ônibus, enquanto a pessoa que está sentada finge que dorme para não dar o lugar. 

Um país no qual a prioridade de passagem é para o carro e não para o pedestre. Um país onde fazemos um monte de coisa errada, mas nos esbaldamos em criticar nossos governantes. 

Quanto mais analiso os defeitos do Fernando Henrique e do Lula, melhor me sinto como pessoa, apesar de que ainda ontem "molhei" a mão de um guarda de trânsito para não ser multado. 

Quanto mais digo o quanto o Dirceu é culpado, melhor sou eu como brasileiro, apesar de ainda hoje de manhã passei para trás um cliente através de uma fraude, o que me ajudou a pagar algumas dívidas. 

Não! Não! Não! Já basta!!. 

Como "Matéria Prima" de um país, temos muitas coisas boas, mas nos falta muito para sermos os homens e mulheres que nosso país precisa. 

Esses defeitos, essa "ESPERTEZA BRASILEIRA" congênita, essa desonestidade em pequena escala, que depois cresce e evolui até converter-se em casos de escândalo, essa falta de qualidade humana, mais do que Collor, Itamar, Fernando Henrique ou Lula, é que é real e honestamente ruim, porque todos eles são brasileiros como nós, ELEITOS POR NÓS. 

Nascidos aqui, não em outra parte... 

Me entristeço. 

Porque, ainda que Lula renunciasse hoje mesmo, o próximo presidente que o suceder terá que continuar trabalhando com a mesma matéria prima defeituosa que, como povo, somos nós mesmos. 

E não poderá fazer nada... 

Não tenho nenhuma garantia de que alguém o possa fazer melhor, mas enquanto alguém não sinalizar um caminho destinado a erradicar primeiro os vícios que temos como povo, ninguém servirá. Nem serviu Collor, nem serviu Itamar, não serviu Fernando Henrique, e nem serve Lula, nem servirá o que vier. 

Qual é a alternativa? 

Precisamos de mais um ditador, para que nos faça cumprir a lei com a força e por meio do terror? 

Aqui faz falta outra coisa. 

E enquanto essa "outra coisa" não comece a surgir de baixo para cima, ou de cima para baixo, ou do centro para os lados, ou como queiram, seguiremos igualmente condenados, igualmente estancados....igualmente sacaneados!!! 

É muito gostoso ser brasileiro. 

Mas quando essa brasilinidade autóctone começa a ser um empecilho às nossas possibilidades de desenvolvimento como Nação, aí a coisa muda... 

Não esperemos acender uma vela a todos os Santos, a ver se nos mandam um Messias. 

Nós temos que mudar, um novo governador com os mesmos brasileiros não poderá fazer nada. 

Está muito claro... Somos nós os que temos que mudar. 
Sim, creio que isto encaixa muito bem em tudo o que anda nos acontecendo: desculpamos a mediocridade mediante programas de televisão nefastos e francamente tolerantes com o fracasso. 

É a indústria da desculpa e da estupidez. 

Agora, depois desta mensagem, francamente decidi procurar o responsável, não para castigá-lo, senão para exigir-lhe (sim, exigir-lhe) que melhore seu comportamento e que não se faça de surdo, de desentendido. 

Sim, decidi procurar o responsável e ESTOU SEGURO QUE O ENCONTRAREI QUANDO ME OLHAR NO ESPELHO. AÍ ESTÁ. NÃO PRECISO PROCURÁ-LO EM OUTRO LADO. 

E você, o que pensa?.. MEDITE!”  -.João Ubaldo Ribeiro.-


Excelente texto que nos deixa a todos com ar de “mea culpa”, e muitos de nós, decididos a mudar.


Para entendermos o “por que” de o povo brasileiro ser assim, e não de outro jeito, precisamos olhar com mais atenção para o aspecto cultural.

Dificilmente nos damos conta de “como somos”. Agimos assim, porque este é o nosso jeito de agir... É a nossa cultura! Somos levados pelo nosso meio-ambiente físico e social, a pensar que o “mundo” é assim! E levamos um verdadeiro choque de identidade quando algo ou alguém nos mostra uma outra realidade, quando nos confrontamos com outro povo, por exemplo, com características diversas das que estamos acostumados, e naturalmente exclamamos: “Isso é de outro mundo”! Então temos inveja do povo que deixa os jornais sós sobre uma caixa na rua, e cada um paga e retira um único jornal.

Mais ou menos como um peixe, que vive normalmente dentro dágua. Para ele tudo é normal e ele nem se dá conta que vive no meio líquido, até que um dia alguém o levanta para fora dágua. Então ele perceberá que a água do oceano é que é o “seu mundo”, e não o mundo do ar.

Quero dizer com isso que o brasileiro É ASSIM, porque “ASSIM É O SEU MUNDO”! É assim que ele nasceu, cresceu e vive em sociedade. Ou seja, É A SUA CULTURA! É uma herança ancestral, unida ao império do meio-ambiente físico e social em que vive.

Com certeza pode sofrer mudanças, mas apenas de cunho natural, promovidas durante um período histórico onde esforços heróicos de educação moral, mudanças climáticas e de interferência externa CONTÍNUA, os brindará, após um período relativamente longo, alguma mudança significativa.
Isto, com toda a certeza, é uma notícia triste para todos os que me lêem, e a primeira reação é a de não aceitar este fato. Porém, peço um pouco mais de paciência e que siga na leitura da “boa notícia” que estou para revelar.

Há muitos anos divulgamos os princípios de Johann Kaspar Bluntschli, diplomata e sociólogo alemão que afirma que CADA POVO (no sentido exclusivo da palavra, tipo “nação” ou “grupo étnico”) DEVE CONSTITUIR O SEU PRÓPRIO PAÍS. O mundo se divide em nações, o planeta Terra deveria dividir-se em países que as correspondam. Tantas nações, tantos países.

Este princípio é aprovado e adotado pela maioria dos países do mundo, dando ensejo à Carta dos Direitos dos Povos expedida pela ONU e assinada por seus países membros, inclusive o Brasil.

A palavra-chave que une o texto de Ubaldo com o Princípio de Bluntschli é CULTURA.

Com toda a razão, a definição mais aceita de “Povo” refere-se à sua particularidade de ter uma cultura própria, um “ethos”, seus costumes, sua tradição, sua história, sua língua, enfim todos os traços próprios, através dos quais é diferenciado de todos os demais do mundo.

Aqui cabe algumas perguntas: Temos todos os brasileiros a mesma cultura? Temos os mesmos costumes? A mesma história? Parece que as respostas são óbvias porque um dos “orgulhos” do brasileiro é a sua DIVERSIDADE CULTURAL, que acostumou-se repetitivamente a chamar de “Riqueza Cultural”!

Portanto, admitindo-se que há vários povos culturalmente distintos dentro deste território, é de se inferir, através do Princípio de Bluntschli, que a cada povo deveria lhe corresponder um ESTADO AUTÔNOMO. E assim são nominados os Estados na Constituição Federal... Porém, só no papel, não NA PRÁTICA!

Neste ponto sei que há muitos leitores que estão na dúvida se estes povo que habitam o Brasil são de fato tão diferentes culturalmente assim um do outro...

Esta dúvida é uma ilusão de ótica. 

Desde 1808, com a vinda da Corte Portuguesa para Salvador e depois para o Rio de Janeiro, há um esforço contínuo para irradiar esta cultura à todos os quadrantes do país. É uma característica nata de um grande império. Este esforço se intensificou ao extremo no Rio Grande após a Guerra dos Farrapos. Esta “imposição” cultural desrespeita as proto-culturas locais, busca anulá-las, diminuí-las, e se possível aniquilá-las.

Porém quando há um povo com raízes culturais mais profundas e definidas, pode-se até perdê-las momentaneamente sob esta enxurrada cultural externa, mas dificilmente elas morrem em definitivo. Ela pode não ser observada com clareza, pode emergir apenas em alguns momentos esporádicos, espremida sob uma “capa” cultural estrangeira. Se é forte, ela sobreviverá, mesmo sob os escombros. Então se olhamos sem profundidade, à lo largo, superficialmente para o povo Gaúcho rio-Grandense, nos parece tão brasileiro como o Carioca ou o Paulista. Nós podemos observar os gaúchos agindo da mesma forma que agem os demais brasileiros, como se fosse da mesma “matéria prima”, aquela que Ubaldo Ribeiro fala.

Graças à Deus, no caso do Gaúcho, não é preciso escarafunchar muito em direção às suas raízes para logo se aperceber que a CULTURA do povo Gaúcho é bastante diferente da cultura brasileira que vemos na mídia. Em momentos específicos, como a Semana Farroupilha, com seus Desfiles de Cavaleiros em praticamente todos as cidades do Rio Grande, ou durante os Festivais de Música Folclórica, a diferença é gritante! Só não vê que QUER FECHAR OS OLHOS.

Ao observarmos com mais acuidade a História do povo Gaúcho e a do Rio Grande, saltam aos olhos A CONFIRMAÇÃO deste fato e os motivos pelos quais somos assim e não “assado”, como os brasileiros.

O que falta, então, para que o povo Gaúcho seja feliz?
Falta sacudir a “poeira” cultural brasileira que pesa sobre seus ombros, assumir a sua identidade Gaúcha que nunca deveria ter sido relegada, e conforme o Princípio dos Direitos dos Povos, enunciado por Bluntschli, assumir as rédeas administrativas e políticas de seu povo!

Sua homogeneidade cultural o levará a buscar O CAMINHO MAIS CORRETO para resolver suas “pendengas” e endireitar-se na senda do progresso e da felicidade que todos almejamos.

Ou seja, precisamos aniquilar os “ranços imperialistas” que persistem e se fortalecem diariamente pela mídia sobre todo o povo brasileiro, e assim re-conquistarmos nosso Direito de “livre-arbítrio”, como povo culturalmente independente que somos.

Quanto aos demais povos do Brasil cabe à cada um buscar em suas raízes, em sua consciência coletiva, a sua própria identidade cultural e assumí-la à exemplo do que faz hoje o Gaúcho. E não será surpresa se o povo Carioca, Mineiro e Bahiano ao re-descobrir sua origem de brasilidade, “venha a melhorar o seu comportamento e não se faça de surdo” e busque, aí sim, mudanças culturais proeminentes capazes de os levarem à melhorar a matéria-prima de seu país, o Brasil.