25 maio 2010

A Federação dos Farrapos

Estudando com alguma profundidade as questões básicas da Guerra dos Farrapos, deparamos com algumas frases que nos parecem, à primeira vista, contraditórias. Especialmente quando abordam os termos para a assinatura da paz.

Muitas vezes eles repetem ser o objetivo final a conquista da independência, mas acenando com a possibilidade de “federar-se” ao Brasil, ou às demais províncias do Brasil que venham a constituir-se numa República!

Ora, que raios de independência é essa que almejam, em que sobra um viés de Federação?
Pelo que aprendi na escola, um ente federado não possui soberania, e por conseguinte não é independente!

A primeira busca pelo esclarecimento é a mesma que todo estudante hoje faz: A Wikipédia!

E não é que o artigo “Federação” da Wikipédia é muito bom, eficiente e claro?...

Lá está, cristalino como o orvalho nas campinhas do Rio Grande: “Como regra geral, os estados que se unem para constituir a federação são autônomos...”.

Bueno, deixa ver se eu entendi: Os Estados, num primeiro momento, estão separados... São portanto “Soberanos”! Depois, por uma questão de interesses que não vem ao caso, eles se unem para constituir uma federação. (!)

Mais adiante, uma confirmação deste raciocínio: “O sistema político pelo qual vários estados se reúnem para formar um Estado federal, cada um conservando sua autonomia, chama-se federalismo”.

Como não foi o caso para se constituir a Federação Brasileira, continuei lendo para ver se encontrava um caso que nos justificasse. Mas deparei ainda com mais uma afirmativa categórica e insofismável da falsidade do sistema adotado no Brasil! Justamente na definição desta palavra, Federalismo: “O sistema político pelo qual vários estados se reúnem para formar um Estado federal, cada um conservando sua autonomia, chama-se federalismo.” e outra: “(do latim: foedus, foedera "aliança", "pacto", "contrato") é a forma de Estado, adotada por uma lei maior, que consiste na reunião de vários Estados num só, cada qual com certa independência, autonomia interna, mas obedecendo todos a uma Constituição única, os quais irão enumerar as competências e limitações de cada ente que se agregou”.

Veja que se “Federalismo” provém de palavras do Latim que significavam “pacto”, “contrato” já nos remete a elementos, indivíduos, ou mesmo Estados soberanos que, sentados ao redor de uma mesa, decidem por uma “união”...

Já estou quase convencido de que o sistema vigente no Brasil pode ser qualquer coisa, menos uma Federação!

O exemplo de federação, e certamente a primeira federação a se constituir no mundo, foi a Norte-americana... Como eles criaram e utilizaram este sistema, acabam por se tornar “modelo básico” que vai nortear a classificação quanto ao sistema adotado pelos demais países... Não basta dizer: “Nosso sistema político é o federalismo”! Tem que se encaixar dentro do modelo criado pelos Norte-americanos!

E como foi o processo lá nos esteites?

“O primeiro Estado federal surgiu no século XVIII, mais especificamente no ano de 1787, na América do Norte, com a união das colônias inglesas que haviam se declarado independentes politicamente da Inglaterra (1776) e que vieram a constituir os Estados Unidos da América”.

Primeiro as colônias inglesas se tornaram independentes da Inglaterra (1776), e depois resolveram se unir em federação (1787) cerca de 11 anos depois. Isto comprova que meus professores, lá na escola, estavam certos... E também que o sistema utilizado no Brasil pode até ser chamado de União Federal, mas na realidade é outra coisa!

Bem, neste ponto lembrei que estava estudando a Guerra dos Farrapos, e que os mesmos abriam a possibilidade de “federarem-se” ao Brasil, ou aos Estados que se indepentizassem como o Rio Grande...

A pergunta é: A qual destas “federações” os Farrapos se referiam?

A resposta me parece óbvia, uma vez que a “federação Brasileira” não existia ainda!

Mas, analisando bem, a proposta dos Farrapos tampouco se encaixa no conceito básico de federação! Vejam, por exemplo, este trecho de uma carta de Bento Gonçalves ao Gen. David Canabarro, então Comandante-em-chefe do Exército Rio-grandense:

“Propus àquele General (Barão de Caxias) na forma de minhas instruções a federação ao Brasil, agregando a ela os Estados de Montevidéu, Corrientes e Entre Rios. Ele contestou-me que nenhuma proposição aceitava que não fosse a total desistência de nossa independência”.

Ora vejam, Uruguai, Corrientes e Entre Rios eram Estados soberanos (ou lutavam por ela, como o Rio Grande). Com que direito os Farrapos ofereciam ao Império brasileiro uma federação com ele e seus Estados vizinhos?

E fato recorrente, o Barão de Caxias responde que não aceita nenhuma proposta que possibilite manter a independência do Rio Grande (e conseqüentemente dos demais Estados inclusos).
Bueno, me parece óbvio que estão falando de uma “federação” que mantém a soberania dos estados federados!

Ou seja, isso não é uma federação, mas uma “Confederação”!

Voltemos à Wikipédia, para dissipar nossas dúvidas:

“Confederação é uma associação de Estados soberanos, usualmente criada por meio de tratados, mas que pode eventualmente adotar uma constituição comum. A principal distinção entre uma confederação e uma federação é que, na Confederação, os Estados constituintes não abandonam a sua soberania, enquanto que, na Federação, a soberania é transferida para o estado federal. As confederações costumam ser instituídas para lidar com assuntos cruciais como defesa, relações exteriores, comércio internacional e união monetária”.

Creio que aí está a chave da solução do impasse: Os Farrapos tinham proclamado sua independência e república, e juraram não abrir mão da soberania conquistada... Neste caso não poderiam propor uma Federação com o Brasil pois estariam quebrando seu juramento! Eles poderiam se unir ao Brasil, sem abdicar de sua soberania, apenas em Confederação, para lidar com assuntos cruciais e problemas comuns.

Confirma esta afirmativa o fato do Uruguai ser um país com soberania consolidada, (embora em guerra civil), mas ao qual se poderia sem temer ofertar uma Confederação com o Rio Grande, o Brasil, e mais Corrientes e Entre Rios de lambuja... Nada que ferisse os brios uruguaios, certo?
Portanto, sempre que lermos ou estudarmos a História do Rio Grande atentemos para este fato importante: Quando eles expressam o desejo de “federar-se” ao Brasil, não significa que estão dispostos a jogar tudo por água abaixo, mas apenas que eles entendem a palavra “federação” com o sentido de “Confederação”... O que faz muito mais sentido...

Vocês não acham?

Romualdo Negreiros

A Federação dos Farrapos