TENTATIVA DE DESTRUIÇÃO DA HISTÓRIA DO RIO GRANDE
RESPONDENDO
AS RESPOSTAS DO BRASILIANISTA JUREMIR MACHADO
Por Romualdo
Negreiros
A dicotomia
entre a ciência e a religião é talvez a mais antiga das questões humanas. No
entanto até hoje, mais de 10 mil anos depois, ainda não aprendemos a
resolvê-la.
A ciência
utiliza os cinco sentidos e a capacidade humana de raciocínio, restritos as
três dimensões que podemos perceber e entender, e limitados pela velocidade da
luz, para solucionar as questões existenciais.
A religião
extrapola as fronteiras da ciência e busca explicar o inexplicável para o
homem.
Se falamos de
algumas áreas do conhecimento onde se aplica puramente a lógica, como a
matemática, a química e a física, a ciência considera os limites temporais, ou
seja, “não temos hoje condições técnicas de saber, mas no futuro as teremos,
então as comprovaremos cientificamente”. É uma questão de tempo.
Há, no entanto,
algumas áreas do conhecimento que incluem um elemento não-científico: A INTERPRETAÇÃO! Cito como por exemplo
a Literatura, as Artes, e, no nosso caso, a História!
A História
baseia-se em fatos concretos. Porém o nossos limites temporais não permitem que
os entendamos tais como realmente o foram. Não estão gravados em nossa mente
consciente, não os presenciamos, nem podemos presenciar. Mais que isso, mesmo
os personagens que daqueles fatos da história fizeram parte, haverão de fazer suas interpretações individuais, e a
partir destas interpretações agir, gerando então mais fatos.
Por suas ações
podemos deduzir cientificamente qual a interpretação aquele personagem dá aos
fatos. Porém, não devemos jamais esquecer que nós mesmos, ao contatarmos com os
fatos de nossa história, estamos deles tirando apenas nossas interpretações, e
julgando cada personagem e cada ato
seu.
Aqui reside a
dicotomia da história dos povos. Esquecemos, ou nem nos apercebemos, que os
estamos analisando do ponto de vista de nosso tempo, de nossos costumes, de
nossa moral, de nosso “momento histórico”, e não do deles!
Porém, podemos
da verdade nos aproximar!
Considerando que
somos o resultado do processo histórico
de nosso povo e de nossa situação geográfica, precisamos consultar, para não incorrer neste erro de interpretação da
história, nosso mais puro sentimento.
Sei que os
historiadores científicos não só não aceitam como desdenham de quem o
considera.
Mas, sabe aquelas
coisas que aceitamos prazerosamente como verdadeiro, mesmo sem explicação
razoável? Para nós “faz sentido”, embora não tenhamos o conhecimento
científico...
Assim é a
religião, assim é o sentimento pátrio!
Extrapolamos os
fatos comprovados cientificamente. Não os negando, mas os interpretando de
forma a “fazerem sentido”, a confirmarem nosso sentimento mais caro e puro! Que
existe, queiram ou não!
Os “Senhores”
dos Cursos de História se negam a aceitar estes sentimentos, que extrapolam o
âmbito da ciência. Daí que, para a mesma história, temos duas ou três
interpretações.
Tenho observado
constantes trabalhos científicos direcionados a anular ou destruir os sentimentos nativistas do povo gaúcho.
Porque não podem conviver com sentimentos nativos sem base científica, como é o
gauchismo hoje! Isso os incomoda. Sentem-se ignorados em suas teses acadêmicas.
O “culto à tradição” precisa ser destruído!
A história do
povo rio-grandense não justifica, segundo estes trabalhos e livros técnicos, a
importância e a reverência que os tradicionalistas a devotam. Até entendo! Mas
não posso aceitar que estes “Historiadores de Gabinete” fiquem falando
sozinhos, sem que alguém assuma a posição contrária, a de uma interpretação gaúcha da história gaúcha.
A se confirmar
suas interpretações tecnicistas, as coisas (resultados) não se encaixam na
realidade! Tem gente pensando e agindo de forma totalmente errada... O problema
é que são muitos... Muitos! Será mesmo que estão todos errados?
Nossa história
não pode permanecer sem que se comprove e justifique o amor telúrico que nós
gaúchos nutrimos pela nossa pátria gaúcha, sem que devotemos o justo louvor aos
nossos heróis. Precisamos restabelecer a
sequência natural entre o passado e o presente do Rio Grande.
Isto por si só
justifica este pequeno trabalho de reconsiderar as interpretações feitas pelo
historiador Juremir Machado em entrevista ao Jornal Sul21, em Setembro de 2012.
Relendo esta
entrevista observei duas qualidades: As perguntas são diretas e abrangem questões capitais desta polêmica, e as
respostas do Sr. Juremir, posto que orais, e não escritas, foram concisas e igualmente diretas, indo ao
ponto sem delongas.
Minhas
considerações e citações são precedidas das letras “RN”, minhas iniciais, para
melhor identificação.
Juremir: “muitos
comemoram Revolução sem conhecer a história”
O jornalista e historiador Juremir Machado da Silva publicou
em 2010 o livro “História Regional da Infâmia”, no qual relata, através de
documentos, uma série de fatos pouco divulgados sobre a Revolução Farroupilha.
Dentre eles, o de que ela foi financiada com a venda de negros.
Sul21 – Como surgiu a ideia de escrever “A
História Regional da Infâmia”?
Juremir Machado – Por muitas razões. Uma delas é a inconformidade
com esse culto tradicionalista mal embasado em fatos históricos. Como fiz
faculdade de História, tinha acompanhado desde sempre as polêmicas provocadas,
primeiro, pelo Tau Golim. Em seguida, por Moacyr Flores, Mário Maestri, Décio
Freitas… Todos os historiadores que mexeram com isso foram muito atacados,
criticados e, às vezes, até estigmatizados. Mas em determinado momento me veio
a ideia de fazer um livro, na medida em que comecei a encontrar documentos que
me pareciam interessantes. Um grande amigo meu, Luiz Carlos Carneiro, que tinha
sido meu professor de História no cursinho universitário, lá por 1980, tinha se
tornado diretor do Arquivo Histórico do RS, que tinha todo o acervo sobre a
Revolução Farroupilha. Então pude fazer a pesquisa com toda a tranquilidade. E
as pessoas que trabalhavam lá me ajudaram muito fazendo transcrição de
documentos.
RN - Primeiro: Pelo início da resposta
nos é lícito entender que o Sr. Juremir parte de um pressuposto, que é quase um
preconceito: “a inconformidade com esse culto tradicionalista mal embasado em
fatos históricos”.
Segundo: Os
fatos históricos podem explicar e
confirmar um sentimento popular, nunca negá-lo! Isso porque o sentimento
pátrio é nativo, ou seja, nasce com a
pessoa, e não se baseia em qualquer outro fator exterior, senão de que existe, e ponto final!
Terceiro: Diante
de qualquer teoria, por mais absurda que seja, procurando bem podemos encontrar
fatos ou documentos que a “comprovam”. Isso no entender de quem quer provar!
Quarto: O
Arquivo Histórico do RS é uma instituição aberta e democrática, e está à disposição
de todo e qualquer pesquisador, franqueando graciosa e gentilmente seus
documentos. O que muito nos orgulha! E não precisava o caro pesquisador de um
“testa de ferro”.
Sul21 – Quanto tempo durou a pesquisa?
Juremir - Eu li toda a bibliografia existente e fui às fontes. Li
mais de 15 mil documentos e trabalhei com mais de 12 pessoas. Foram três anos
de pesquisa com estagiários, bolsistas de iniciação científica, pessoas que
contratei em Pelotas, no Rio de Janeiro e em Porto Alegre. Debulhamos 15 mil
documentos, alguns que nunca tinham sido trabalhados.
RN - Declaração típica de quem busca os holofotes da mídia!
Sul21 – Que tipo de reações o livro provocou?
Juremir - Meu livro provoca dois tipos de polêmica: aqueles que
dizem que tudo é falso e que eu preciso estudar mais; e aqueles que dizem que o
livro não traz nada de novo. Isso é falso. É claro que o livro não parte de
coisas que ninguém nunca tinha examinado, mas aprofunda muitas dessas coisas e
descobre coisas novas. Eu chamo de documento infame toda a documentação
referente ao financiamento da Revolução Farroupilha, à compra de munição, de
fardamento, de alimentação com a venda de escravos no Uruguai. Ninguém tinha
dito que, em determinado momento, por obra de Domingos José de Almeida, a
Revolução Farroupilha se financiou com a venda de negros no Uruguai. Em algum
momento se falou que teriam vendido alguns negros para comprar uma impressora
para o jornal “O Povo”. A venda de negros para financiar a revolução gerou,
inclusive, um processo judicial. Depois que deixou de ser ministro da Fazenda,
Domingos José de Almeida entrou na Justiça da República pedindo o ressarcimento
de tudo o que tinha investido. Ele detalha, briga, insulta e polemiza. Quer de
volta o dinheiro dos negros que vendeu. Ele dá os nomes e todas as informações
sobre as vendas.
RN - O melhor é que não precisamos ler
15 mil documentos para saber isso! Eles estão transcritos e impressos na
Coleção Varela, do Arquivo Histórico do Rio Grande do Sul, em 19 volumes, com
Índice Onomástico! Um regalo!
Mas chama
atenção um erro crasso, básico, fundamental, cometido pelo ilustre historiador:
A interpretação temporal dos fatos
históricos.
É primário que
saibamos interpretar documentos históricos segundo
o ambiente e o momento em que ele foi criado. Naquela época escravo era um
bem, uma mercadoria, um objeto de valor! Hoje isso choca e fere nossa
sensibilidade, mas era a realidade da
época! Como hoje temos um carro, um apartamento, um sítio, na época
tinha-se um escravo! Era um bem que se poderia transformar em dinheiro a
qualquer momento!
As fontes das
verbas que foram utilizadas para financiar a Guerra eram muitas! Não só a venda
de escravos. Aliás, esta era a menor de todas! Vendia-se cavalos, o gado, as terras,
casas na cidade (vila), pedia-se emprestado, emitia-se letras ao portador,
enfim, usavam-se todos os expedientes para que pudessem sustentar a
independência do Rio Grande! Inclusive praticava-se o corso, e confiscava-se os
bens daqueles que declaradamente eram favoráveis ao Império, contrários à nossa
independência, para vendê-los ou arrendá-los! Também uma prática da época.
Infame? Não. Assim era a guerra naqueles tempos!
Precisamos vê-la e analisá-la como eles viam e agiam na época!
Os orientais não
faziam o mesmo nas guerras por sua independência? O Próprio Bento Gonçalves não
perdeu todas as suas posses em terras uruguaias? E por isso os uruguaios são
infames?
E, diga-nos Sr.
pesquisador, como o Brasil financiou a Guerra que levava contra os gaúchos? Não
foi através do trabalho escravo nas lavouras de café e cana-de-açúcar? Além do
também trabalho escravo na extração de ouro nas Minas Gerais? E alguém tem
coragem de acusar o Império do Brasil de infame ao manter uma dispendiosa
guerra no Rio Grande com o trabalho escravo? Claro que não, porque isso era a
coisa mais natural na época!
O Domingos de Almeida
dispôs de muitos de seus bens (pois era um rico charqueador quando tudo
começou) para manter a difícil guerra contra o Império Brasileiro! Inclusive de
alguns de seus escravos!
Outros
proprietários fizeram o mesmo! Tudo para manter o Rio Grande um país independente
dos desmandos do Império! Com certeza eles esperavam, uma vez vencida esta guerra, reaver, se não
todo, parte de seus bens! Nada seria mais natural!
Os farrapos eram,
então, escravocratas? Não tinham a intenção de libertar os escravos após a guerra,
como prometeram? Engano! Erro de interpretação novamente! Mas estas perguntas
serão respondidas mais abaixo.
Sul21 – Como era a relação dos líderes da revolução com os negros? Havia uma
retórica pretensamente abolicionista e
uma prática diferente?
Juremir – Todos eram proprietários de escravos e viviam em uma
sociedade escravista. Então eles podiam ser escravistas, seriam simplesmente
homens de seu tempo. Mas em outros lugares estavam acontecendo revoltas pela
libertação dos negros, como no Maranhão. No Uruguai e na Argentina, o processo
de libertação dos negros estava muito mais acelerado. Era um tempo de
escravismo, mas não da mesma maneira em todos os lugares. Falamos de Rivera e
de Rosas como se fossem caudilhos hediondos, mas eles eram muito mais
avançados, progressistas e iluministas. Nossos fazendeiros gostavam de se aliar
com eles, mas tinham medo das coisas que eles faziam, como reforma agrária e
libertação de negros. Eles eram muito mais adiantados e “perigosos” nesse
sentido.
Sul21 – Há o mito consagrado de que os farroupilhas eram abolicionistas.
Juremir - Não, eles não eram. Talvez um ou dois tivessem algum
ardor nesse sentido. Mas a maioria não era. Eles prometeram liberdade para os
negros dos adversários que aceitassem ser incorporados como soldados. Era uma
forma de atrair mão de obra militar. Mas os escravos dos próprios farroupilhas
continuaram nas fazendas trabalhando para que eles pudessem fazer a guerra.
Quando a Revolução acabou e eles voltaram para casa, continuaram escravistas.
Quando Bento Gonçalves morre, deixa um inventário com 53 escravos aos seus
herdeiros. Escravos valiam muito. Ele morreu rico, com terras, fazendas e
escravos. Quando fizeram, em Alegrete, o texto da Constituição, ela não previa
a libertação dos escravos. Se eles tivessem vencido e a Constituição entrado em
vigor, o Rio Grande do Sul continuaria sendo uma sociedade escravista. Eles não
tinham nada de abolicionistas. Claro, em determinado momento, com a mão de obra
militar minguando – principalmente quando o Império começou a mandar mais gente
-, tiveram de recorrer aos negros dos adversários. O Domingos José de Almeida,
além de ter vendido seus negros ao Uruguai para financiar a revolução, para ele
mesmo se sustentar como ministro da Fazenda e cérebro da revolução, continuava
alugando outros negros no Uruguai e vivendo das rendas desse aluguel. Os negros
trabalhavam no Uruguai para que ele pudesse ser o chefe revolucionário. Existem
muitos exemplos de situações mais adiantadas de libertação de escravos. No
Brasil, no Uruguai, na Argentina, no Chile… Simón Bolivar tinha libertado os
escravos. A libertação de escravos estava acontecendo com frequência. Rivera
fez isso e nós não. Os farroupilhas não eram abolicionista e não pretendiam
ser. Só queriam usar os negros.
RN - Sejamos honestos: Todos sabemos
que os gaúchos que lutaram na guerra não fechavam conceitualmente em todas as questões! Tinham um ideal
maior, que era a libertação do nosso Estado, mas em questões pontuais haviam
divergências naturais, da mesma forma que existem hoje!
Havia um grupo
que priorizava a República. Outro grupo, que desejava a Federação
(Confederação, para nosso entendimento de hoje). Outro ainda, eram militares
descontentes com o sistema militar imperialista. Enfim, haviam 5 ou 6 bons motivos
para ir à luta, inclusive a independência do Rio Grande e a consequente
“Confederação” com os demais países do Prata.
Porém haviam
também, entre os Farrapos, os que preconizavam a libertação dos escravos, bem
como os que entendiam que a escravatura deveria continuar (notadamente Vicente
da Fontoura). Prova da existência de abolicionistas é a última reunião maçônica
antes do início da Revolta Farroupilha, onde se cotizaram para comprar a
liberdade de um escravo!
Entendemos que a
República era uma idéia nova, ainda
não assimilada totalmente por muitos que lutavam por ela! A conscientização da
necessidade de se abolir a escravatura é um
processo de adequação, não se pode esperar que imediatamente após a
Proclamação da República, se obtenha um perfeito sistema republicano, completo
e acabado!
A Constituinte,
por conta desta diversidade de opiniões, deixou em suspenso esta questão! Mas,
com certeza, depois de terminada a Guerra e
conquistada a liberdade, deveriam os Srs. Deputados se debruçar sobre este
tema para uma decisão final.
Mas independente
disso, precisamos entender que o mundo de então, século XIX, era escravocrata! A escravidão de
humanos negros existia, era uma
realidade, assim era a vida na época! E
por obra do Colonialismo português, no Brasil era muito mais forte!
Os escravos eram
comprados em leilões, em praça pública. Era um investimento, como hoje
compramos uma máquina de lavar roupa! É duro, é triste para nós hoje, mas era a
realidade na época... Fazer o quê?
Ora, mesmo que
um elemento, digamos, Domingos José de Almeida, fosse contra a escravidão, ele
precisaria de trabalhadores para as suas charqueadas em Pelotas, e para a
manutenção da sua casa. Investiu dinheiro nisso! Era o modo que, na época, se
usava para manter uma casa e uma empresa!
Para fazermos
uma analogia mais compreensível, imaginemos um gaúcho, hoje, completamente
convicto que o sistema adequado ao Rio Grande e ao mundo, é o socialismo mais
puro! Sendo assim ele abomina o dinheiro, o capital, a poupança!
Imagine que, por
conta desta convicção, ele deva se
desfazer de todo o seu capital, deva recusar
receber o seu salário (pois é dinheiro, não?), e ainda deva queimar todas as cédulas que porventura
tenha no bolso! Ninguém em sã consciência faria isto!
No entanto este
gaúcho não deixa de lado sua convicção que o dinheiro é a perdição da
humanidade, muito embora continue usando este mesmo dinheiro, ganho
honestamente, em seu proveito! Bem, assim é o mundo!
Da mesma forma,
o Domingos de Almeida mantinha seus escravos, comprava-os e vendia-os, como
qualquer pessoa daquela época, sem com isso abandonar suas convicções
anti-escravocratas! (Pois ele foi um dos que contribuiu, naquela reunião
maçônica, para a libertação de um escravo. Para manter as aparências? Não.
Naquela época as reuniões maçônicas era totalmente secretas).
Com a Deposição
de Armas dos Farrapos ficou acordado em uma das cláusulas que os
“financiadores” da guerra seriam ressarcidos de suas despesas, o que não foi
cumprido totalmente! Domingos de Almeida entrou na Justiça para que o Império
cumprisse esta cláusula, e tentar reaver seus gastos. No que não foi atendido!
Sul21 – Teve o episódio da batalha de Porongos…
Juremir - É curioso… Muitos historiadores reconhecem que houve
traição em Porongos, mas não demonstram como isso ocorreu. A maior parte dos
historiadores que examina Porongos pula essa etapa. Em determinado momento essa
traição era negada. Como os líderes farroupilhas tinham prometido liberdade aos
negros dos adversários, com o fim da revolução começam a ficar preocupados e
receosos de que os negros possam querer se vingar caso isso não ocorra. Era um
contingente expressivo de escravos. Então os líderes farroupilhas estavam numa
contradição, já que esses negros pertenciam a adeptos dos imperiais, que os
queriam de volta. Foi aí que veio aquela ideia “maravilhosa” de diminuir esse
contingente ao máximo e fazer um pacto para eliminá-los. A cilada de Porongos
chega a ser simplória. Os negros foram realmente desarmados e dizimados.
Canabarro recebeu o aviso de um possível ataque e desarmou os homens, foi tudo
muito preparado. Um outro aspecto que o meu livro vai adiante é em relação ao
destino dos negros farrapos. Nem todos morreram. Sobraram alguns deles. Uns
escaparam, conseguiram fugir a cavalo, e muitos caíram prisioneiros. Sempre se
discutiu o que teriam feito com esses negros. Os farroupilhas dizem que Caxias
libertou todos, incorporou ao Exército e conferiu a eles uma condição quase de
enobrecimento. E alguns diziam que eles tinham sido enviados para o Rio de
Janeiro, para a fazenda imperial Santa Cruz.
RN - E este ponto é importante porque
joga com o sentimento de racismo, ateando ódio entre negros e tradicionalistas.
Não é novidade a existência de documentos que comprovam, através de depoimentos,
a FALSIFICAÇÃO da carta de Caxias ao Moringue que supostamente comprovaria a
TRAIÇÃO de Canabarro.
Causa estranheza
que, entre os 15.000 documentos estudados pelo festejado historiador, não
contivesse nenhum destes documentos que revelam a armação que Canabarro sofreu!
Se o Sr. Juremir
os leu, fica pior ainda a certeza de que é, de fato, tendencioso à destruição
dos heróis Farrapos, ao deixá-la de lado e não referi-la, ao menos, como uma
possibilidade.
Para quem deseja
saber a verdade, vou reproduzir a Carta que supostamente o Barão de Caxias
teria enviado ao Coronel Francisco Pedro de Abreu, conhecido como “Chico Pedro”
ou “Moringue”.
Coleção Alfredo
Varela - 3730
“Cópia. Reservadíssimo. Ilmo Sr. Regule V.
Sa. suas marchas de maneira que no dia 14 às 2 horas da madrugada possa atacar
a força ao mando de Canabarro, que estará neste dia no cerro dos Porongos. Não
se descuide de mandar bombear o lugar do acampamento de dia, devendo ficar bem
certo de que ele há de passar a noite nesse mesmo acampamento. Suas marchas
devem ser o mais ocultas que possível seja, inclinando-se sempre sobre a sua
direita, pois posso afiançar-lhe que Canabarro e Lucas ajustaram ter as suas
observações sobre o lado oposto. No conflito poupe o sangue brasileiro quanto
puder, particularmente da gente branca da Província ou índios, pois bem sabe
que esta pobre gente ainda nos pode ser útil no futuro. A relação junta é das
pessoas a quem deve dar escápula se por casualidade caírem prisioneiras. Não
receie da infantaria inimiga, pois ela há de receber ordem de um Ministro e do
seu General-em-chefe para entregar o cartuchame sobre pretexto de desconfiança
dela. Se Canabarro ou Lucas, que são os únicos que sabem de tudo, forem
prisioneiros, deve dar-lhes escápula, de maneira que ninguém possa nem
levemente desconfiar, nem mesmo os outros que eles pedem que não sejam presos,
pois V. As. Bem deve conhecer a gravidade deste secreto negócio que nos levará
em poucos dias ao fim da revolta desta Província. Se por acaso cair prisioneiro
um cirurgião ou boticário de Santa Catarina, Casado, não lhe reviste a sua
bagagem e nem consinta que ninguém lhe toque, pois com ela deve estar a de
Canabarro. Se por fatalidade não puder alcançar o lugar que lhe indico no dia
14, às horas marcadas, deverá diferir o ataque para o dia 15, às mesmas horas,
ficando bem certo de que neste caso o acampamento será mudado um quarto de
légua mais ou menos por estas imediações em que estiverem no dia 14. Se o
portador chegar a tempo de que esta importante empresa se possa efetuar, V, As.
Lhe dará 6 onças, pois ele promete-me entregar em suas mãos este ofício até as
4 horas da tarde do dia 11 do corrente. Além de tudo quanto lhe digo nesta
ocasião, já V. Sa. deverá estar bem ao fato das coisas pelo meu ofício de 28 de
outubro e por isso julgo que o bote será aproveitado desta vez. Todo segredo é
indispensável nesta ocasião e eu confio no seu zelo e discernimento que não
abusará deste importante segredo. Deus vos guarde a V. As. Quartel General da
Presidência e do Comando-em-chefe do Exército em marcha nas imediações de Bagé.
9 de novembro de 1844. Barão de Caxias.
Sr. Coronel Francisco Pedro de Abreu,
Comandante da 8ª Brigada do Exército.
Reservadíssima de Caxias [No verso]”
Este Ofício
acima é altamente comprometedor! Mas é COMPROVADAMENTE FALSO! Só é levado em
consideração, e validado, por historiadores tendenciosos, pretensos “Reis da
Verdade”, que buscam as luzes da mídia sobre si.
Vejam o que diz
a respeito o Informativo “O Guararapes”, jornal virtual BRASILEIRO de assuntos
militares:
“O ofício forjicado sobre Porongos,
acusando de traição Canabarro e outros valorosos chefes que com ele estavam em
Porongos, foi arquitetado por Chico Pedro depois da surpresa de Porongos e
levado a efeito por um major seu subordinado que o forjou e falsificou a
assinatura de Caxias.”
Corrobora esta
opinião o laureado historiador Henrique Oscar Wiedersphan, membro do Instituto
Histórico e Geográfico do Rio Grande do Sul:
“E a base da acusação foi um ofício bem
forgicado (falsificado) por Chico Pedro, como sendo assinado pelo Barão de
Caxias para ele, no qual este lhe ordenava que atacasse Canabarro, pois este
não resistiria conforme combinação entre ambos. E mais que ele aproveitasse
"para atacar e eliminar os mulatos, negros e índios farrapos e poupasse
sangue branco."”
Bem, não sou eu
que estou dizendo! Tem gente importante, conceituada e insuspeita nos meios
acadêmicos que o afirmam: O Documento reproduzido acima, que incrimina
Canabarro e o indispõe contra os negros, É FALSO!
Agora, a
comprovação.
Relato de Félix
de Azambuja Rangel, transcrito na Revista do Instituto Histórico e Geográfico
do Rio Grande do Sul, 1º e 2º trimestre de 1928, p. 36-47, apresentado também
no Livro de Oscar Wiedersphan, Convênio de Ponche Verde, Pág. 71:
"Após a surpresa de Porongos, perto da
Quinta do Bibiano estando Chico Pedro acampado no Pequeri, disse ao seu Major
de Brigada João Machado de Moraes - És capaz de imitar a firma de Caxias?
Respondeu-lhe: A letra é boa e talvez eu possa imitar! Pois vamos fazer uma
intriga contra Canabarro. Pois este homem é o único que pode ainda sustentar a
Revolução, portanto vamos fingir um ofício de Caxias para mim, dizendo que no
dia tal ataque de Porongos, mais ou menos, vá atacar Canabarro e derrotá-lo,
visto haver entre ele, Barão de Caxias e oficiais de Canabarro um convênio.
Esta intriga foi devido a dizerem os republicanos que Canabarro era um traidor.
E assim este distinto general republicano passou a traidor, o que é uma grande
ofensa ao seu ilibado caráter e imorredoura memória".
Este mesmo Felix
Rangel informa que Chico Pedro foi a Piratini encontrar o Barão de Caxias, para
quem mostrou a carta que ele mandara fazer. Caxias não só APROVOU a falsidade, como ASSINOU
uma cópia feita na hora! Chico Pedro, então, passou na casa do Professor
republicano Manoel Rodrigues Barbosa e mostrou o falso ofício. Este facilmente
engoliu a isca, ficou indignado e tratou de espalhar a “traição de Canabarro”
para os demais Farrapos, criando grande atrito entre eles!
O depoimento de
Manuel Patrício de Azambuja, cunhado de Felix Azambuja Rangel, reforça a
verdade:
“Ouvi Chico Pedro, meu comandante, dizer:
Produziu bom efeito a bomba que lancei no meio dos farrapos...
E na Quinta do Bibiano eu soube da trama,
por Chico Pedro, do falso oficio e imitação da assinatura de Caxias... Em
caminho, Felix Rangel expôs-me reservadamente parte do que fica dito e mais
tarde me disse o próprio Barão de Jacuí, o Chico Pedro. É que Canabarro era
único chefe republicano que realmente tinha verdadeiro prestígio para manter
por mais algum tempo a luta, por isso bem compreenderam Caxias e Chico Pedro
inutiliza-lo, indispondo-o com os outros generais e seu Exército, o que
conseguiram com artificioso plano." Publicado por WIEDERSPHAN, Convênio
de Ponche Verde p. 72/73.
Creio que,
depois disso, não resta mais suspeitas sobre a conduta de David Canabarro neste
episódio.
Mas fica a
questão: Estes “grandes” historiadores, detentores do monopólio sobre a
história do Rio Grande (Sr. Mário Maestri, Tau Golim, Juremir Machado, e
outros) não viram estes documentos?
Como poderiam
não ter visto se foram inclusive publicados na Revista do IHGRS em 1928?
E se viram,
porque não os levaram em consideração?
Seria uma
desconsideração deliberada?
Sul21 – O que aconteceu?
Juremir - Fui atrás e consegui documentos mostrando para onde eles
foram. Eles foram entregues pelos farroupilhas e foram transportados. Consegui
documentos sobre como eles foram transportados, até com o nome do navio. Eles
foram para o Rio de Janeiro, para o arsenal da Marinha.
RN - Consideremos que a Convenção de
Ponche Verde não passa de uma manobra para encobrir a vergonhosa derrota que os
rio-grandenses sofreram... Inteligentemente, combinaram com os traidores
Canabarro (Agora, sim, um traidor da causa Farrapa) e Vicente da Fontoura, esta
verdadeira FARSA DE PONCHE VERDE para enganar o povo.
Agora, uma vez
“assinada a paz”, o império tomou as rédeas dos negócios a serem resolvidos.
Canabarro
entregou os negros, sim. Mas entregou-os com
suas armas, ou seja, não como cativos, mas como homens livres!
Veja, os
Farrapos não poderiam prometer que os negros que lutassem pela República,
seriam libertos caso o Império vencesse. Mesmo assim, lá está no Art. 7 do
“Tratado”:
“Art. 7° - Está garantida pelo Governo
Imperial a liberdade dos escravos que tenham servido nas fileiras republicanas,
ou nelas existam”.
Porém, como era
praxe, raramente o Império cumpria com o que prometia. Mesmo com o que suas
autoridades assinavam! Aconteceu na Batalha do Fanfa, e repetiu-se no Ponche
Verde: Os negros foram entregues para
serem libertos pelos imperiais, conforme o Art. 7º, mas bem sabemos que o
destino dos mesmos, no Rio de Janeiro, foi bem outro.
"Canabarro entregou 120 soldados
negros farroupilhas que o Barão de Caxias alforriou (libertou) com apoio no
Decreto de 19 nov 1838 que prometia liberdade a todos os negros farrapos que
desertarem e se apresentarem as autoridades imperiais." E a seguir os fez
embarcar como livres para o Rio de Janeiro com a condição de não mais
retornarem ao Rio Grande do Sul. Mesmo assim se pretendeu no Legislativo do
Império se dar ultima forma a estas alforrias (liberdades) ao chegarem os
Lanceiros Negros no Rio de Janeiro, sendo efetivadas, somente ante o alarde
ocorrido no citado Poder Legislativo de parte do alguns dos mais exaltados da
bancada liberal," O Convênio de Ponche Verde, Henrique Oscar Wiedersphan.
Sul21 – Politicamente, havia alguma unidade entre os líderes da revolução?
Juremir - Era um saco de gatos. Antes de 1835 havia gente que
oscilava. Bento Gonçalves, por exemplo, era um monarquista, não era
republicano. Neto não era republicano. Bento Gonçalves tinha pendores para
fazer uma associação com o Uruguai. Ele se relacionava com o Rivera e pensava,
volta e meia, em uma perspectiva de junção com o Uruguai. Mas também não era
algo muito convicto. Em 1834 aconteceu a principal causa da Revolução
Farroupilha: um surto de carrapatos que devorou o gado. Os fazendeiros ficaram
com um prejuízo enorme e fizeram exatamente como os pecuaristas fazem hoje em
dia: quiseram repassar o prejuízo ao Império. Mas essa ajuda do governo central
não vinha. Por outro lado, havia um contexto de muitos militares no Rio Grande
do Sul. Em 1831, quando Dom Pedro I abdicou, muitos militares foram mandados
para cá, numa espécie de geladeira, porque tinham se insubordinado. Então se
juntam esses militares cansados e insatisfeitos com os fazendeiros que se
sentiam prejudicados pelo Império. No começo das conspirações, eles só desejam
que o Império atenda às suas reivindicações. Alguns querem ver reconstituída
sua dignidade militar e serem transferidos para outros lugares. Nossos
fazendeiros queriam atendimento às suas reivindicações econômicas. O movimento
vai ganhando vida e eles não conseguem mais recuar. Em determinado momento,
surge a perspectiva da República, que nenhum dos líderes tinha em mente. No meu
livro, publico uma carta que Neto enviou aos vereadores de Pelotas. Ele, que
tinha proclamado a República, disse “não sou republicano”. Eles não eram
republicanos, mas aos poucos foram sendo empurrados para aquela situação e
acabaram proclamando uma República que o Império nunca reconheceu. Para o
Império, sempre se tratou apenas de uma província rebelada.
RN - É claro e patente o desdém com que o historiador trata os
personagens da história rio-grandense. Percebe-se que não tem sentimento
pátrio, e no seu entendimento são todos “burgueses”. A expressão “saco de
gatos” (que correta seria “Balaio de gatos”!) ilustra bem este conceito.
Mas nós, simples
mortais que, graças à Deus, podemos “ver” a História com relativo equilíbrio,
entendemos que em toda a sociedade, em qualquer
parte do mundo, há diferentes opiniões sobre os mais variados assuntos. Não
era diferente com os Farrapos!
Eles estavam
todos unidos em torno de um ideal, de um objetivo, sim. Mas fora deste
objetivo, divergiam naturalmente nos mais variados assuntos. Nem por isso
ficavam brigando entre si o tempo todo. Apenas discordavam.
Entre os
Farrapos haviam várias “correntes” unidas para combater o Império:
- Os estancieiros e
charqueadores por motivos amplamente divulgados e conhecidos;
- Os militares (muitos deles
também estancieiros) pelo descaso do Comando do Exército Imperial;
- Os negros com a promessa de
serem libertos;
- Os republicanos (na maioria
italianos, mas com muitos adeptos no Rio Grande);
- Os separatistas, que
idealizavam o Rio Grande um país independente,
unido a outros países independentes na forma Confederativa (uma espécie de Mercosul!).
Precisamos
entender que o ideal republicano era, naqueles tempos, uma novidade para a maioria daqueles homens. Originalmente todos
eram imperialistas, pois imperialista era o “mundo” que herdaram!
Assim sendo é
fácil entender por que alguns rio-grandenses imediatamente se identificaram com
as idéias republicanas e outros foram mais resistentes. Alguns, mesmo
simpáticos à nova forma de governo, mantinham condutas imperialistas, por força
do “status quo”.
Com relação aos
separatistas, é preciso saber que, na época, a palavra “Federação” tinha o
sentido que hoje entendemos por “confederação”. Portanto nos documentos antigos
onde se lê FEDERAÇÃO, entenda-se CONFEDERAÇÃO.
Outro detalhe é
que estes “grupos” que constituíam as forças farrapas, citados acima, não eram
estanques e separados um do outro. Bento Gonçalves, por exemplo, era militar,
estancieiro, separatista e com a influência dos italianos, se tornou também
republicano.
Fica difícil
entender a história se não levarmos em consideração estes detalhes.
Hoje sabemos,
através de pesquisas que serão reveladas brevemente, que o grupo mais influente
do início da Revolta, já tinha intenções separatistas desde antes do 20 de
Setembro. E que Bento Gonçalves foi fortemente cobrado por sua conduta após a
Tomada de Porto Alegre.
Mas isso é outro
assunto.
Sul21 – E por que a guerra durou tanto tempo?
Juremir - Quando os liberais estavam no poder, no período
regencial, eles, no fundo, gostavam dessa gente daqui. Eles não queriam mandar
muito efetivo para cá e deixaram a Revolução correr. Quando finalmente Dom
Pedro II ganha a maioridade e os conservadores assumem o poder e passam a ter o
primeiro ministro, eles enviam muito efetivo para o Rio Grande do Sul. Então
por volta de 1842 já está liquidada a fatura. A revolução se transforma em uma
guerra de guerrilhas. Os farroupilhas começam a fugir para todos os lados e, de
vez em quando, fazem algumas emboscadas. Quando a coisa ficava muito pesada,
todo mundo se refugiava no Uruguai. Foi uma guerra de guerrilhas na qual o
exército imperial ficava atrás dos rebeldes e, de vez em quando, tinha algum
combate. Houve muito pouco combate e morreu pouca gente. Em dez anos de guerra,
morreram 2,9 mil pessoas. Morria mais gente de gripe do que de guerra. Passava
meses sem que houvesse combate. Claro que houve momentos de heroísmo e momentos
de infâmia absoluta, com estupro, degola, sequestro e execução sumária. É por
isso que eu digo que a Revolução Farroupilha foi feita pela Farsul da época com
os métodos das Farc. Do ponto de vista ideológico, eles eram a Farsul da época,
com uma ideologia liberal incipiente. Eram proprietários rurais em defesa dos
seus interesses. E utilizavam os métodos que hoje se condena nas Farc:
sequestro, apropriação do gado e das terras alheias.
RN - Segue a tentativa de destruição
dos valores mais reverenciados pelo povo gaúcho. Reduz, numa frase, homens de
diversas estirpes e ascendências, que lutaram bravamente contra um gigantesco
Império, a meros “proprietários rurais”! Será que alguém, em plenas faculdades
mentais, acredita nisso?
A despeito da
vontade do nobre historiador, e dos “imperialistas” de plantão, a rebelião Farroupilha que começou em 20
de Setembro de 1835, terminou quase
um ano depois, a 11 de Setembro de 1836!
Até então eram
“rebeldes”. Mas depois de Proclamada a República Rio-Grandense,
transformaram-se todos, imediatamente, em “Guerreiros” do Exército Republicano.
Passaram então os próximos nove anos, aproximadamente, lutando pela manutenção
da independência deste país!
Esta verdade
jamais foi aceita pelo Império Brasileiro que, afinal, acabou ganhando a
guerra. Ao tornar-se “República” o Brasil continuou ignorando a verdade, e até
hoje, os que defendem a versão
brasileira dos fatos históricos rio-grandenses, como o grande historiador
Juremir Machado, repetem monótonos este mantra mentiroso.
A afirmativa de que guerra durou mais tempo porque
os imperialistas liberais “gostavam dessa gente daqui”, é risível!
- A primeira
resposta à deposição de Fernandes Braga foi onze brigues e escunas, diversas
canhoneiras, lanchas e iates carregados de armamento e muitos soldados, sob o
comando do Capitão Grenfell!
- Após a
cessação das hostilidades na Ilha de Fanfa, os Farrapos foram traídos, presos,
e enviados para a Corte, por Araújo Ribeiro.
- A seguir
nomearam o Brigadeiro e Ministro da Guerra Antero de Brito Presidente da
Província, com ordens expressas de massacrar com os Farrapos, debelar a
rebelião e enviar os líderes à Corte!
- Isso que é
“amor”!
A Guerra durou
exatos 8 anos, 5 meses e 17 dias entre a República Rio-Grandense e o Império do
Brasil e o fato de morrer “pouca gente” não diminui a sua importância. Momentos
de heroísmo e infâmia houveram de ambos os lados (aliás, ouso afirmar que o
Império realizou mais momentos infames do que heróicos, mas isso também é outro
assunto).
E, por fim, o
expediente de refugiar-se no Uruguai para recomposição de forças era uma praxe
utilizada pelos dois lados, bem como o próprio Uruguai se utilizava desta
fronteira em suas guerras pós independência.
Sul21 – Em seu livro, o senhor também aponta casos de corrupção entre os
líderes farroupilhas.
Juremir – Quando eles se reúnem em Alegrete para fazer a
Constituição, estavam totalmente rompidos. Antonio Vicente da Fontoura
pertencia à chamada minoria. Ele havia sido ministro da Fazenda, sucedendo
Domingos José de Almeida. Quando ele assumiu o Ministério, constatou que a
corrupção corria solta. Ele descreve isso fartamente em seu diálogo e os
historiadores nunca quiseram dar muita atenção. Os farroupilhas pegavam a
fazenda de um adversário e arrendavam e o lucro desse arrendamento desaparecia.
Até Neto foi acusado por Antonio Vicente da Fontoura de ter desaparecido com
dinheiro. Um dos grandes problemas da Revolução Farroupilha foi a corrupção.
Eles brigaram e se separaram por causa disso. O duelo entre Bento Gonçalves e
Onofre Pires tinha na sua base acusações de corrupção.
RN - Aqui está, dita pelo próprio
historiador, a comprovação de que os Farrapos perderam a guerra mais por conta
de alguns traidores da causa, do que pelas armas propriamente.
Vicente da
Fontoura e seu irmão Paulino promoviam a intriga e a discórdia entre os irmãos
Farrapos, acusavam, difamavam, obrando assim indiretamente em favor dos
interesses do Império.
Bento Gonçalves: “Sei que o célebre Paulino
Fontoura está ligado com os imperiais e incumbido de manter a cizânia entre nós
escrevendo a uns e a outros com seu acostumado sofisma de retórica confusa. Sei
que V.Exa. (Gen. João Antônio da Silveira) o conhece como eu, mas se ele
escrever por aí algumas cartas o previno para que faça destruir as doutrinas
daquele homem sem caráter e mentiroso sem pejo...”
- Envenenou
Onofre Pires contra seu primo Bento Gonçalves, que redundou na morte de Onofre.
- Como Deputado
Constituinte usou a tribuna para atacar ferozmente a figura do Presidente,
provocando uma divisão irremediável na Assembléia, e a saída de Bento da
Presidência.
- Como Ministro
tratou de difamar e acusar levianamente Domingos José de Almeida, o homem que
se entregou totalmente à República, terminando a vida solitário e pobre.
- Como
Embaixador da República foi ridicularizado e humilhado perante a Corte no Rio
de Janeiro, e saiu de cabeça baixa e o rabinho entre as pernas.
- Ainda se
inimizou e difamou o mais robusto alicerce da criação da República
Rio-Grandense, Mariano de Mattos.
- Ao final foi o
único articulador da deposição de armas farrapas, contra a vontade dos
principais líderes que a iniciaram, entregando de bandeja nosso país nas mãos
do inimigo!
Domingos de Almeida à Chevalier: “Fontoura,
esse perverso vendido ao Governo do Brasil, já deixou de envergonhar a
República, descendo do Ministério que manchou, e de onde promovia o enterro da
causa rio-grandense, a tanto custo sustentada desde 1835.” – CV-618, Anais do
Arquivo Histórico nº 3, pág. 57.
Este homem,
Vicente da Fontoura, foi um verdadeiro “câncer” no organismo farrapo, que
acabou por “matar” a República Rio-Grandense. Suas palavras eram doces à
República, mas suas ações a destruíam.
Agora pergunto,
porque o Sr. Juremir só “ouve” e dá créditos ao que o crápula do Vicente da
Fontoura escreve, e não considera minimamente as consistentes defesas de
Domingos José de Almeida?
Os leitores
tirem suas conclusões.
Sul21 – Como se pautaram as relações dos farroupilhas com as lideranças
uruguaias e argentinas? Havia, de fato, a intenção de se criar uma república
que anexasse o território do Uruguai e algumas províncias da Argentina?
Juremir – Quando viram que Rivera estava libertando escravos e que
tinha propensões à reforma agrária, a parceria deixou de ser interessante. A
Revolução Farroupilha foi uma espécie de golpe militar. Esse golpe militar
sofreu muita influência platina. Houve muita influência desses caudilhos
uruguaios e argentinos. Mas depois houve momentos de aproximação e de
separação. Essas alianças só não prosperaram definitivamente porque os líderes
farroupilhas eram muito mais conservadores que os caudilhos uruguaios e
argentinos. Rivera queria uma revolução benéfica para a população uruguaia.
Bento Gonçalves e sua turma só entraram em ação por causa dos seus interesses
particulares.
RN - A bem da verdade precisamos
colocar as peças do quebra-cabeças no seus devidos lugares:
- Vicejava ainda entre o povo, e
Bento Gonçalves não era indiferente, os ideais artiguistas, embora o próprio
Bento tenha lutado contra Artigas como Coronel do Império. Seu compadre
Lavalleja e Oribe trataram de manter vivo este ideal.
- A idéia de Artigas era
constituir vários países independentes, mas unidos em Federação. Incluindo aí
as províncias brasileiras que se tornassem Repúblicas independentes.
- Rivera é, hoje, odiado pelo
povo uruguaio!
- Bento manteve relações
diplomáticas com ele, de Presidente para Presidente, mas a parceria se tornou
desinteressante no momento em que percebeu que Rivera fazia “jogo duplo” entre
a República e o Império. Inclusive entregando os planos dos Farrapos para os
imperiais.
- O Império brasileiro
financiava Rivera, e o mantinha no poder ajudando a resistir aos inimigos!
- A “revolução benéfica” de
Rivera era entregar de bandeja o povo uruguaio ao Império, pois ele era
imperialista, do mesmo modo que Canabarro e Fontoura acabaram fazendo com o
povo rio-grandense!
- Quer acredite o Sr. Juremir ou
não... Ele não vai mudar os fatos!
Sul21 – Como se deu a construção dos mitos em cima da Revolução Farroupilha?
Juremir - São várias etapas. Uma delas é quando Julio de Castilhos
e os republicanos positivistas estão trabalhando pela construção da República
no Rio Grande do Sul. Julio de Castilhos vai estudar direito em São Paulo e
manda uma carta dizendo que é preciso estudar aquela guerra civil, porque ela
poderia servir de fundamento para o que hoje nós chamaríamos de construção de
uma identidade regional. Na época, a Revolução Farroupilha era chamada de
guerra civil. Esses republicanos positivistas tinham bem a noção de que uma
identidade se constrói a partir de um mito fundador. Então era preciso uma
mitologia épica para construir essa unidade. Isso foi fartamente explorado.
Depois, historiadores como Varela e Alfredo Ferreira Rodrigues ajudaram a
construir uma ideia épica de revolução, influenciados pela perspectiva
histórica dominante no século XIX. Nos anos 1930, os militares ligados ao
Instituto Histórico e Geográfico fazem, em plena Era Vargas, uma recuperação
dos fatos com interesse cívico de engrandecimento das atitudes militares. O
interessante é que a Revolução Farroupilha foi feita por militares e escrita
por militares.
RN - Essa resposta não faz o menor
sentido.
Todo mundo sabe
que o Positivismo não é Bairrista. Ele se encaixa em um país, nunca numa
pequena região deste país. Assim, o positivismo buscava, após a Proclamação da
República Brasileira, construir uma identidade
brasileira! Através de reconstrução da história brasileira como um todo,
não só restrita ao Rio Grande!
Então por que
Julio de Castilhos, Presidente de uma Unidade da Nação, haveria de desenterrar
uma história regional, uma guerra travada contra
o Império, e assim criar os mitos regionais que haveriam de confrontar a
própria história brasileira? E ainda constituir uma identidade própria
regional, em separado da identidade brasileira construída a muito custo pelos
próprios positivistas da Capital Federal? Não faz nenhum sentido!
A verdade é que
ele era um homem inteligente e observador. Mais além de sua convicção
positivista, ele viu que o Rio Grande (mais naquela época do que agora) não se encaixava na propalada
identidade nacional brasileira. Morando e estudando em São Paulo, foi-lhe fácil
perceber a enorme diferença entre os costumes, a cultura, a própria história do
Rio Grande, em relação aos brasileiros.
Viram, Julio de
Castilhos e demais positivistas gaúchos, que seria um grande erro forçar a
natureza do povo desta região a copiar o modo brasileiro de ser. Ele próprio
sentia-se um “estranho no ninho”, longe da terra que tanto amava. Essa é a
grande sacada!
Se analisarmos
com mais cuidado, veremos que o Sistema positivista de governar se encaixa
perfeitamente em um país com um tamanho médio (não gigantesco como o Brasil), e
que seja habitado por um povo culturalmente homogêneo... Uma nação! O Rio Grande
era o cenário perfeito para a aplicação efetiva deste sistema.
E foi justamente
durante este período dos Caudilhos positivistas rio-grandenses, até a Era
Getúlio (1937), que o Rio Grande teve o seu período mais fértil, de maior
desenvolvimento, de maior pujança!
Pergunta: Os
positivistas criaram fatos históricos e constituíram do nada uma identidade
gaúcha? Claro que não. Eles apenas fortaleceram nossas raízes históricas e
culturais já existentes, e a partir
desta base legítima cresceu uma grande árvore nacional, com um forte tronco
cultural e imediatamente rendeu muitos e muitos frutos. Bem ao estilo do
sistema positivista propagado por Comte!
Os
“historiadores de gabinete” estão inventando a roda quadrada, para serem
originais!
Sul21 – E qual o papel dos historiadores na desmistificação da revolução?
Juremir – Os grandes historiadores estão desmistificando a
Revolução Farroupilha. Nomes como Tau Golin, Moacyr Flores, Mário Maestri,
Sandra Pesavento, Margeret Bakos, Décio Freitas… Moacyr Flores talvez seja
aquele que trabalhou mais intensamente a Revolução Farroupilha. O livro “O
Modelo Político dos Farrapos” é um marco na desmistificação. Tau Golin fez uma
espécie de panfleto que teve muito impacto, questionando se Bento Gonçalves seria
herói ou ladrão. Margaret Bakos trouxe muitos dados sobre a condição do negro
na Revolução Farroupilha. São esses os caras que realmente têm escrito coisas
importantes sobre a Revolução Farroupilha. Se fosse na França, esse pessoal
estaria sendo destacado. Mas aqui é o inverso. Talvez porque o Rio Grande do
Sul, como qualquer lugar, precisa de um mito fundador. E o que tem à mão é
esse. A história, nesse sentido, estraga um pouco este prazer. Os fatos
históricos não confirmam toda essa grandeza.
RN – Onde se lê, na resposta do Sr. Juremir, “desmistificando”,
leia-se: “Destruindo”!
Sul21 – O que significa hoje
comemorar a Revolução Farroupilha?
Juremir – Vale lembrar que a
comemoração da Semana Farroupilha, tal qual a fazemos hoje, começa em dezembro
de 1964. É uma obra da ditadura militar. O patriotismo servia muito bem nessa
época. Acho muito interessante a ideia de que essas pessoas se reúnem para
comemorar outra coisa. Comemoram um ideal de vida agropastoril, uma nostalgia
da vida no campo, quando éramos realmente gaúchos e tínhamos estâncias. Há
também o gosto de estar junto, de conviver e ter algo a compartilhar – algo que
o sociólogo francês Michel Maffesoli chama de “tribalismo”. Esse fenômeno pode
estar no escotismo, numa torcida de futebol, ou nesse congraçamento anual onde
todos se encontram e brincam um pouco de casinha, como dizia Flávio Alcaraz
Gomes. A Revolução Farroupilha surge como uma espécie de cimento para
fortificar esse interesse de estar junto. Mas ela também tem um componente
ideológico conservador. Muitos dos que estão comemorando a Revolução
Farroupilha não conhecem grande coisa da sua história. Se for examinar no
detalhe, eles não sabem. Conhecem a cartilha do Movimento Tradicionalista
Gaúcho, que só destaca aquilo que exclusivamente lhes convém.
RN - O que é, realmente, uma coisa
muuuito estranha! Ou é um fenômeno sociológico desconhecido e raríssimo, ou o
Sr. Juremir está completamente equivocado na formulação de sua tese.
Prefiro ficar
com a segunda opção.
A comemoração da
Semana Farroupilha, tal qual a vemos hoje, é o produto de uma evolução natural,
com início em 1947, no Colégio Julinho, em Porto Alegre. O combustível
principal que agiganta e aprimora esta festa tradicional ano a ano é, sem
dúvida, o sentimento de pertencimento a este grupo étnico único, próprio da
região. Não um grupo inventado e constituído por “criadores iluminados” como
quer ver o Sr. Juremir.
O
tradicionalista que está “brincando de casinha” no Acampamento, é, e sente que é, um legítimo
representante da história do nosso povo. Não são as tábuas costaneiras, nem a
suas pilchas, mas ELE é! O seu
sentimento, o seu estilo, o seu modo de ser, de agir, de viver. Porque isso
está impresso em sua alma, vem no coração, no âmago do sentimento pátrio, que
infelizmente o Sr. Juremir parece não ter! Entreviste-o, e saberás!
Tão arraigado
está este sentimento no íntimo de cada gaúcho, que ele não precisa conhecer em
detalhes e picuinhas a nossa História. Ele não precisa que lhe digam “como ser
gaúcho” e “por que ele é gaúcho”! Ele sabe e age por intuição! Pelo simples
prazer de ser!
E olhe que coisa
maravilhosa: mesmo por intuição íntima e individual, o gaúcho da fronteira
pratica o mesmo tradicionalismo empírico do gaúcho da Serra. O Gaúcho da cidade
é tão gaúcho quanto o das Missões. Ou ainda, todos no Rio Grande são os mesmos
gaúchos que os de outras paragens e até outros continentes! Tão gaúchos quanto
os nossos campeiros!
Não é um fato
transcendental?
O gaúcho
rio-grandense forma uma nação
completa e independente de qualquer outro grupo étnico existente no planeta.
Mesmo que seja constituída de elementos culturais variados e adaptados de
outras “culturas-mães”. Tem esta etnia todos os elementos básicos e periféricos
para se constituir no cimento social de um povo. Com conhecimento de sua união
natural, este povo pode sim, e deve, se tornar uma verdadeira nação. É o
próximo passo!
Em 1947, Paixão
Cortes está cansado de repetir, os “oito bombachudos” só queriam relembrar suas
vidas de estância, suas pilchas, seus cavalos, o chimarrão diário. Nada mais
que isso! Pensaram em lembrar e homenagear os heróis que lutaram bravamente na
Guerra dos Farrapos. Nada foi criado “do nada”. Eram coisas comuns para aqueles
estudantes que viviam longe de suas casas e suas famílias. Fizeram então
algumas atividades comemorativas ao 20 de Setembro.
O primeiro
desfile: Acompanharam pilchados e de à cavalo o translado dos restos mortais de
David Canabarro. A primeira Ronda Crioula, o primeiro baile “fandango”, no
encerramento. Dali a idéia foi se expandindo. Criaram o primeiro CTG, o 35.
Depois outros, aderindo à tradição, foram criando outros CTG’s.
Nos anos 70 os desfiles
militares brasileiros de 7 de Setembro ganharam força. Os militares passaram a utilizar a Av.
Loureiro da Silva, a 1ª Perimetral, onde após
o desfile oficial, desfilavam os integrantes dos CTG’s, com a Chama
Crioula.
Não demorou para
que organizassem seu próprio desfile no dia 20 de Setembro, data mais adequada.
Como o desfile se dava pela manhã, alguns tradicionalistas (os que moravam mais
longe) começaram a vir para o local no dia anterior, acampar, para se
paramentar e se preparar, no outro dia, com tranquilidade.
O Parque
Harmonia ainda não existia, era apenas um lugar ermo e sem estrutura. Mas já os
pioneiros vinham acampar, traziam suas barracas e tralhas de carro ou
camioneta, e outros de à cavalo e até mesmo carroça. Eram verdadeiros
“Piquetes” avançados dos CTG’s.
Ao fim da tarde
do dia anterior ao Desfile, já prontas suas barracas, se reuniam em singela
roda de chimarrão. A charla corria solta. Não faltou quem trouxesse gaita,
violão, pandeiro. Já toda a gauchada ficava reunida em torno do fogo de chão,
saboreando um bom churrasco, iluminados por lampiões de “liquinho”.
Assim começou o
Acampamento Farroupilha, assim começou o desfile de 20 de Setembro, de forma espontânea e natural, levado pelo sentimento telúrico e a necessidade de
expressão cultural de sua gente.
Dizer que foi
obra e graça da Ditadura Militar é uma pecha que o povo gaúcho não merece, e
não engole.
Sul21 – Qual o papel da mídia na consolidação do mito?
Juremir – A mídia precisa adular esse público para poder
fidelizá-lo. É uma estratégia de marketing que reforça os mitos e dificulta a
desconstrução feita pelos historiadores. O interesse da mídia nessa questão é
meramente comercial. É uma estratégia de reforço de algo que é caro ao público.
Ninguém quer brigar com boa parte do Rio Grande do Sul. É melhor dar uma
adulada e deixar os universitários e acadêmicos falarem outras coisas. Se o
público está feliz, por que estragar o prazer? Além de tudo, a mídia é
conservadora. Muitas vezes os jornalistas compartilham esses valores e
acreditam nessas histórias porque foram formados nessa matriz. Tudo isso entra
no mesmo caldeirão e, ano a ano, as vozes dos historiadores ficam praticamente
inaudíveis.
RN - Mas a voz do Sr. Juremir se ouve longe... Por que será?
Sul21 – O Rio Grande do Sul tem uma relação mais intensa com seus mitos do
que outras regiões do país?
Juremir – Talvez, até pelo tipo de construção história do Rio
Grande do Sul, com tantas guerras de fronteira. Vários movimentos e situações
se aproveitaram disso: a República, os anos Vargas, a ditadura militar e o
crescimento do movimento tradicionalista.
Sul21 – Isso contribui para uma imagem mais arrogante do Rio Grande do Sul
nos outros estados brasileiros?
Juremir – Isso é algo que só nós enxergamos. Os cariocas acham esse
negócio de Semana Farroupilha quase ridículo, uma espécie de carnaval a cavalo.
Sul21 – E o nosso hino? Cantamos um hino que fala em uma “ímpia e injusta
guerra”.
Juremir – Nosso hino é racista, ainda por cima, quando diz que
“povo que não tem virtude acaba por ser escravo”. É um insulto àqueles que
lutaram com os farroupilhas e foram atraídos a eles com a promessa de
liberdade.
RN - Estranha ilação. Só mesmo uma
mente desequilibrada para a esquerda pode ver racismo no nosso Hino
Rio-Grandense! Mas saiba o Sr. Juremir que este hino que cantamos não é o
legítimo, feito pelos Farrapos, como Hino Nacional da República Rio-Grandense.
Nem a letra, nem a música.
Sul21 – Até hoje, o senhor ainda recebe críticas
por causa do livro?
Juremir – Alguns historiadores preferem se afastar desse tema.
Cansam de brigar e ouvir insultos. Eu mesmo sofri todo tipo de desqualificação.
Diziam que eu não sou historiador e que o meu livro só requenta outras
informações. Na época que saiu o livro, a Farsul ameaçou me processar, até por
um mal entendido. Acharam que eu tinha dito que a Farsul tinha os métodos das
Farc. O que eu disse, na verdade, foi que os farroupilhas tinham a ideologia da
Farsul e os métodos das Farc. Recebi e-mails e torpedos de pessoas dizendo que
iam me capar. Senti hostilidade em muitas situações. Já perdi a conta do número
de insultos que recebi por e-mail, Twitter e Facebook. O maior insulto é a
tentativa permanente de desqualificação do teu trabalho.
RN - O maior insulto, Sr. Juremir, é o seu livro. É a tentativa de
desqualificar um povo que possui, por sua natureza, uma bela e pacífica
cultura. Desacultuá-lo para, quem sabe, escravizá-lo com sua ultrapassada
ideologia comunista, onde todos são iguais, mas alguns são mais iguais que a maioria. O Sr. e os demais que vendem as mesmas
mentiras podem dormir tranquilos, o povo gaúcho é bairrista, mas não é fundamentalista.
Mas eu, pelo
contrário, não vou insultá-lo mas apenas agradecer.
Agradecer a
oportunidade de, respondendo estas suas respostas, poder mostrar que é possível,
e até recomendável, que observemos nossa história gaúcha, no todo e em aspectos
pontuais, do ponto de vista do próprio
povo gaúcho. Se afirmamos, como estamos convictos, que toda a história de
qualquer país do mundo é tendenciosa,
que tenhamos então a coragem de reescrever, nós mesmos a nossa história, com a tendência do nosso ponto de vista, e
descartemos absolutamente estas interpretações mesquinhas e destrutivas, de sua
visão distorcida por esta ideologia ultrapassada e falida.