Viver no exterior é uma experiência muito importante para entender a si mesmo como pessoa e como grupo cultural. Conviver com culturas diversas contribui para que se aprenda a diferenciar o que é e o que não é a sua cultura. E isso para um gaúcho significa reforçar ou despertar sentimentos separatistas.
Há dois anos vivendo na Alemanha, as diferenças entre latinos e centro-norte-europeus parecem-me absolutamente evidentes. Entre cristãos e muçulmanos, entre ocidentais e orientais, mas também entre gaúchos e brasileiros.
Os brasileiros são os primeiros a nos reconhecer como diferentes. Como minha mãe, que está fazendo um curso na Universidade do Mercosul em Montevidéu, a quem os colegas brasileiros se dirigem dizendo “no teu país”, a mim passa o mesmo em Berlim. “Mas e lá no teu país?”, com um misto de curiosidade e reconhecimento de que a diferenças são tão grandes, que não é mais possível se referir ao Brasil de maneira geral, incluindo o Rio Grande, senão tratando-o à parte. Inclusive já tenho amigos brasileiros que apóiam o separatismo gaúcho.
Nos últimos 50 anos, tornamo-nos muito mais brasileiros, graças à televisão e às ditaduras nacionalistas, que tentaram impor uma “identidade brasileira” a todos, mas ainda somos gaúchos. E gaúcho não é brasileiro, é gaúcho. Por isso nenhum estrangeiro consegue entender a absurda e contraditória frase dita por muitos gaúchos: primeiro gaúcho, depois brasileiro.
Quando vejo algo brasileiro aqui na Europa, observo-o com distância. Conheço, mas não é meu. Reconheço os colombianos como latinos e sou mais parecido com um equatoriano/brasileiro que com um alemão/sueco. Quando vejo apresentações de Carnaval ou capoeira, é algo que conheço e até faz parte da minha realidade, mas não sou eu. No entanto, quando encontro alguém tomando chimarrão no meio da rua em Berlim, posso apontar e dizer: sou eu!
Pois esse “eu” chamado gaúcho ainda é o mesmo do mate, das pilchas, do vocabulário e do temperamento. É um povo à parte, com uma história à parte, que ainda vive nos três lados do Pampa (Rio Grande do Sul, Argentina e Uruguai) e que, mesmo separado e falando línguas diferentes, não aprendeu seus costumes na televisão. Ele é.
Apesar de muitos argentinos e uruguaios não saberem disso, mas principalmente os rio-grandenses, essa mescla cultural de ibérico, guarani, charrua, quíchua e araucano produziu um povo que não encontra equivalência em nenhum lugar do mundo. É um povo sul-americano que tem um épico. É um povo que foi citado separadamente por Darwin, Saint-Hilaire e outros pesquisadores estrangeiros.
Gaúcho é um povo separado e só falta separar. Só não vê quem está dentro.
Felipe Simões Pires
Acadêmico de Filologia Alemã da Universidade de Berlim
25 janeiro 2010
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